Exame de Ordem:O Pecado da OAB
Reynaldo/SP, Laoclark/PR (Juncal/ES de costas) com Marco Maciel. Conversa na saída da CCJ do Senado, pedindo ao senador que auxiliasse na realização de uma Audiência Pública na CCJ para debater o exame de ordem da OAB. Senador prometeu neutralidade.
http://conjur.estadao.com.br/
data 15/11/2007
xxxxxxxxxxxxxxxx
O pecado da OAB
Exame de Ordem é inconstitucional, ilegal e imoral
por Reynaldo Arantes
O Exame de Ordem da OAB freqüenta as páginas dos jornais e os noticiosos nos últimos anos por causa do espantoso número de reprovados em cada prova, cujos recordes são sucessivamente batidos e que já chegaram a 97%, com míseros 3% aprovados e autorizados a advogar.
Voz corrente nos meios docentes, quando uma sala vai bem e alguns alunos mal, o professor é bom; Quando a sala vai mal e alguns bem, o professor é o culpado. Mas desta vez, os alunos estão indo mal e a culpa não é dos professores. Vamos abrir três atos para entender melhor.
ATO I
O Governo do Presidente Fernando Collor de Mello foi extremamente progressista e inovador em inúmeros setores, como o automobilístico (eram carroças mesmo), informática (idade da pedra) e educação de nível superior (era só para as elites). Collor de maneira futurista, com visão de Estadista acaba com o monopólio das montadoras, libera importação de informática e desburocratiza a abertura de novos cursos superiores.
Assim, faculdades e universidades começaram a surgir em todo o território nacional, política correta e progressista de governo, seguida por Itamar Franco, Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva. Fernando Henrique faz a primeira correção, com o MEC passando a exigir um número maior de doutores e mestres e um número menor de bacharéis nos corpos docentes. Era a busca da qualidade após a busca da quantidade.
Assim, em pouco menos de 2 décadas, os cursos triplicaram, quadruplicaram e hoje temos cerca de 1.100 Cursos de Direito no Brasil. Mas, apesar do discurso da OAB de que há “muitos cursos de Direito” e de esconder que temos cerca de 3.300 Cursos de Administração, 1.750 de Pedagogia, 1.550 de Engenharia, 1.000 de Ciências Contábeis, isto para destacar alguns, ainda temos o mísero percentual de 10% de nossos jovens em Cursos Superiores, com vários vizinhos nossos alcançando 20%, a Argentina com 30% e os países mais desenvolvidos com cerca de 60% de seus jovens nas Universidades.
ATO II
Quando Dom João VI vem com a família real para o Brasil, fugindo de Napoleão, necessitou criar uma estrutura burocrática na então Colônia. Assim, todo bacharel em Direito chegado das universidades portuguesas era empregado imediatamente no primeiro escalão do Império. Vieram as Faculdades de Direito de Pernambuco e São Paulo e seus bacharéis continuaram a integrar o primeiro escalão, assim que se formavam. Veio a Faculdade de Medicina e seus formandos não disputavam vagas na administração Imperial com os bacharéis em Direito. Logo a seguir, abriu-se a Faculdade de Engenharia e aí sim houve disputa pelos melhores lugares, pois já não havia vagas de Primeiro Escalão para todos e uma briga histórica se registra a partir de então, entre advogados e engenheiros, no Brasil. Os líderes dos imperiais bacharéis em Direito já deixavam claro que não gostavam e não queriam concorrência.
A OAB no início dos anos 90, sempre atenta às mudanças políticas nacionais, vê no plano de popularização do ensino superior instituído pelo governo Collor, uma grave ameaça a seu status quo. Aumentar os cursos de Direito significava mais bacharéis, e conseqüentemente mais concorrência aos advogados que não mais conseguiam passar as férias em Paris e que tinham de lutar por seus clientes.
Iniciaram, então, um movimento, para a OAB passar a ter o poder de vetar a abertura de novos cursos jurídicos no Brasil. Perderam politicamente e perderam nos tribunais. Continuam, hoje, tendo apenas o poder de opinar sobre a abertura de novos cursos, quando consultados pelo MEC. Sempre dizem não, e o MEC sempre diz sim.
Apresenta-se o Projeto de Lei 201/91, do deputado federal Leite Chaves (PMDB-PR), para dar obrigatoriedade ao Exame de Ordem, para a entrada nos quadros da OAB e para determinar o fim da inscrição automática para os bacharéis que fizessem o Estágio de Prática Forense e Organização Judiciária. Como todas as faculdades aplicavam tal estágio nos dois últimos anos do bacharelado, todos se inscreviam sem fazer tal exame. O Projeto de Lei 201/91 foi aprovado no Congresso, mas foi vetado integralmente pelo Presidente Fernando Collor.
Ao destacar na Mensagem de Veto Presidencial que considerava tal proposição contrária ao interesse público, o presidente Fernando Collor destaca: “Ademais disso, questionam profissionais do Direito o adequado aprestamento técnico-jurídico dos advogados indicados por algumas Seccionais da OAB para elaborar o exame e avaliar os estudantes, no cotejo com professores universitários habituados a essa tarefa.”
A OAB foi uma das lideranças engajadas na queda do presidente Collor e menos de dois anos após seu veto, já no governo Itamar Franco, foi sancionada a Lei 8.906/94 com a mesma exigência inconstitucional e contrária aos interesses públicos, que havia sido vetada por Collor.
ATO III
Nos dias atuais a OAB fala ora em 2 milhões, ora em 4 milhões de bacharéis em Direito sem carteira da Ordem e sem poderem trabalhar. Entre 1.996, quando acabou a regra de transição prevista no Artigo 84 da Lei 8.906/94 e todos foram obrigados a ser aprovados no Exame de Ordem para poderem advogar, e os dias de hoje, a OAB se especializou em utilizar o Exame de Ordem como uma “porteira”, a fim de liberar, a cada exame, pequenos grupos de novos profissionais.
No início, os acadêmicos preteridos pela nova Lei, lutaram na Justiça para serem inscritos na OAB sem Exame, esgrimindo teses de Direito adquirido, pois já eram acadêmicos na edição da lei e até teses de isonomia com seus contemporâneos. Foram vencidos nos tribunais, que afirmaram que o exame era constitucional e legal. Estas ementas são exibidas a todo instante pelos dirigentes da OAB quando se fala na inconstitucionalidade do Exame de Ordem. Nunca apresentam, porém, as petições iniciais e as fundamentações apresentadas – que todo operador da lei sabe que condicionam a decisão judicial – pois não se analisou em tribunais superiores a inconstitucionalidade formal e material do Exame com a fundamentação abaixo.
O Exame de Ordem é inconstitucional materialmente porque afronta o Artigo 5º, caput, que determina o princípio da isonomia, ou seja, como o sábio Aristóteles definiu “tratar os iguais igualmente e os desiguais de forma desigual de maneira a promover igualdade”. Todos, repita-se, todos os bacharéis com seu diploma válido se inscrevem em seus conselhos federais, Autarquias responsáveis pela fiscalização do exercício profissional, para o que, recebem anuidades, verbas para-fiscais autorizadas pelo ente público. A única exceção dentre todos é o bacharel em Direito, cujo conselho aplica uma prova suplementar, um requisito previsto no artigo 8º, inciso IV da Lei 8.906/94, o Exame de Ordem.
Mas outro artigo constitucional é afrontado deliberadamente pela OAB, já que o artigo 5º, inciso XIII é cristalino em afirmar que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as QUALIFICAÇÕES profissionais que a lei estabelecer”. É uma norma de eficácia contida, sujeita a regulamentação do legislador ordinário através de uma lei ordinária. Sob o prumo do artigo 205, caput, da mesma Constituição Federal que define o que é qualificação profissional, foi promulgada a Lei 9.394/96, que em seu artigo 2º repete o texto constitucional do artigo 205, caput, in verbis:
“A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO.”(grifamos)
A Lei 9.394/96 em seu artigo 43 é ainda mais específica e destaca que “A universidade prepara indivíduos APTOS a serem inseridos em seus setores profissionais” e, destaque-se, não há exceção a esta regra, nem mesmo para os bacharéis em Direito. Regra básica em Direito, lei posterior revoga lei anterior. A Lei 9.394/96 revogou o Exame de Ordem, pretenso aferidor do apto ou inapto para o exercício da função privada do bacharel em Direito como advogado.
Além disso, deve ser dito que o Exame de Ordem da OAB afronta diretamente o artigo 209 da Constituição Federal, que atribui ao Poder Público (através do MEC, evidentemente) e não à OAB, a competência para fiscalizar e avaliar o ensino, no Brasil.
Mas além de inconstitucional materialmente e revogado na esfera infra-constitucional, o Exame de Ordem é também formalmente inconstitucional. Isto em função do previsto no parágrafo 1º do citado artigo 8º da Lei 8.906/94, que remete ao Conselho Federal da OAB a regulamentação do Exame de Ordem, requisito restritivo (não qualificação, artigo 5º, XIII) do exercício profissional que atinge prerrogativas constitucionais privativas e indelegáveis do presidente da República (artigo 84, inciso IV), referentes ao poder de regulamentar as leis, através de decretos, e ainda o artigo 22, inciso XVI, da mesma Constituição, que determina que compete privativamente à União legislar sobre a organização e condições para o exercício das profissões.
Destarte, além de inconstitucional formal e materialmente, revogado e cristalinamente ilegal em face da fundamentação acima explanada, o Exame de Ordem ainda é imoral e hipócrita.
Imoral, porque não busca aferir o conhecimento acadêmico, abusando em suas provas de primeira fase, de “pegadinhas”, perguntas sem nenhuma ou com várias respostas, a fim de fazer o bacharel perder tempo, nas quatro horas de prova, e também pelo fato de exigir conhecimento de jurisprudência e de tópicos especiais e raros do Direito, em suas questões. Mais, na segunda fase submete as provas a bancas examinadoras que ofertam notas díspares em provas semelhantes, e que demonstram toda a sua “capacidade” ao grafarem três com Z, paciente com SC e acionar com S e que, instadas através de recursos administrativos dirigidos à Ordem a corrigirem seus posicionamentos, indeferem os recursos SEM FUNDAMENTAÇÃO, elevando ao cubo sua hipocrisia em barrar o acesso dos bacharéis ao mercado de trabalho, à complementação do ensino teórico com a prática e a criar uma reserva ilegal de mercado para seus inscritos.
Até cerca de dois anos atrás, havia ainda outro ponto de “represamento”: o bacharel inconformado com as ilegalidades e absurdos, impostos na segunda fase, buscava um advogado para lutar pelo Direito nas barras dos tribunais e invariavelmente não encontrava nenhum, que estivesse disposto a enfrentar a Ordem dos Advogados. O corporativismo falava mais alto.
Hoje, o MNBD, Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito, organizado nacionalmente, já dispõe de colegas oriundos do Movimento, que passaram no exame e estão a postos, para assinarem peças de questionamento de segunda fase e também as ações contra a inconstitucionalidade do mesmo.
Hoje, após escândalos – como os registrados no Amazonas, em Brasília e em Goiânia – de venda de carteiras e de exames fraudados, vê-se claramente que a OAB criou dificuldades para alguns venderem facilidades.
Hoje, o colega Luciano Cavalheiro advoga há mais de um ano SEM fazer o Exame de Ordem, com a decisão da 3ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre - Ação 2004.71.00.036913-3 - exarada pelo juiz federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia que destaca: “Inconstitucional a exigência do Exame de Ordem, há que se julgar procedente o pedido, de modo a assegurar a inscrição perante o quadro de advogados da OAB, RS”. Interpostos recurso e agravos pela OAB/RS, foram todos rejeitados pelo desembargador federal do TRF-4, Edgar Antonio Lippmann Júnior.
Hoje, o Projeto de Lei 186/2006, de autoria do senador Gilvan Borges (PMDB-AP) em tramitação terminativa na CCJ do Senado Federal, está com o senador Magno Malta (PR-ES), para emitir relatório. Seu espírito legislativo, aguçado por décadas de luta em defesa de outros marginalizados sociais, levou o senador Capixaba a organizar audiências públicas pelo Brasil para consubstanciar seu relatório. Auxiliado por seu chefe de Gabinete Gláucio Ribeiro, o Senador Magno Malta já promoveu Audiências Públicas em Vitória/ES em 18/10, confrontando as posições da OAB (Stephan Eduard) e do MNBD (acadêmico José Juncal). Já esteve também em Porto Alegre em 12/11 com novo debate organizado pelo bacharel Itacir Flores, presidente do MNBD/RS. As próximas audiências agendadas serão em Macapá/AP no dia 23/11 e em São Paulo, onde o senador atenderá a requerimento da Comissão de Educação da Assembléia Legislativa Paulista, através de seu presidente, deputado Roberto Felício.
Importante destacar a motivação do senador Gilvan Borges, ao apresentar tal projeto de lei ao Senado. Muitos comentaram na imprensa que ele teria se motivado pela reprovação massiva, mais de 90%, de bacharéis no Exame de Ordem no Amapá. Em encontro em seu gabinete no Senado, em 07/11 com o coordenador nacional do MNBD, Emerson Rodrigues, com os presidentes estaduais do MNBD Juncal Filho/ES, Thamar Albuquerque/DF, Elizio Brites/MS, este subscritor e Pedro Bianguli, coordenador estadual por São Paulo, o senador Gilvam Borges confessou que a motivação do projeto foi saber que há milhões de bacharéis em Direito impedidos de trabalhar, por um exame inconstitucional, e vislumbrou estes profissionais em atividade levando Justiça – como prevê o artigo 133 da Constituição – à população mais pobre, que é vilipendiada em seu Direito por falta de condições financeiras de buscar o auxílio de um advogado. Nesta visita dos líderes do MNBD ao Senado Federal, colheu-se posição favorável ao pleito do MNBD por parte de inúmeros senadores, visitados pelos líderes dos bacharéis.
Na mesma data, na Câmara dos Deputados, visitou-se os gabinetes dos deputados Max Rosenmann (PMDB/PR), autor do Projeto de Lei 5.801/05 e do Deputado Federal Edson Duarte (PV/BA), que em 09/10 entrou com o Projeto de Lei 2.195/07, ambos propondo o fim do Exame de Ordem, em face à sua inconstitucionalidade.
Com o MNBD, os milhões de bacharéis em Direito passaram a ter uma representação organizada e oficial em todo o Brasil, e o Exame de Ordem da OAB um oponente que ainda irá crescer muito. Aliados os fatos jurídicos (sentença gaúcha e ações Judiciais do MNBD em vários estados), políticos (projetos na Câmara e no Senado), criminais (venda de carteiras da OAB em vários estados) e sociais (divulgação pela mídia da inconstitucionalidade do exame), a OAB terá que usar de seu forte “lobby” para tentar manter o ilegal, imoral e hipócrita exame. Além disto, terá como oponente, nesta luta, as universidades particulares brasileiras, pois o ministro Fernando Haddad e a OAB se juntaram para atacá-las e aos cursos de Direito, também de forma ilegal, como bem descreveu a peça inicial do Mandado de Segurança Preventivo impetrado pela ANUP – Associação Nacional das Universidades Particulares, na pessoa de seu presidente, Abib Salim Cury.
A conjuntura política atual até poderá mudar, e a OAB poderá manter por mais algum tempo a sua reserva ilegal de mercado, se conseguir utilizar o seu lobby, mas as Universidades já se armaram contra ela, e as forças políticas, ao conhecerem a realidade, também se alinharam contra esse Exame inconstitucional e contra as arbitrariedades da OAB.
O MNBD só irá se extinguir quando alcançar a sua meta de acabar com o exame. Já o artigo 5º da Constituição Federal, que define apenas QUALIFICAÇÃO como impeditivo da liberdade de exercício profissional só poderá mudar com uma outra Constituinte, ou com uma revolução.
Em breve, alertados pela mídia nacional, os cidadãos de bem e os defensores do Estado Democrático de Direito se alinharão nas fileiras contrárias aos hipócritas dirigentes da OAB, que atacam a ilegalidade dos outros, mas convivem com os seus próprios pecados mortais.
Os juízes e o Ministério Público irão defender a Constituição e o Direito de milhões de bacharéis injustiçados, e não o corporativismo da OAB, e isso será o fim do Exame de Ordem, restando apenas mais uma feia mácula superada, na recente história democrática desta Nação.
Revista Consultor Jurídico, 15 de novembro de 2007
Sobre o autor
Reynaldo Arantes: é bacharel em Direito pela Unoeste de Presidente Prudente (SP) e presidente estadual do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário