Reportagem revela uma história escabrosa
A
revista CartaCapital desta semana mata a charada do Pinheirinho e cria
um desafio do qual os grandes diários de circulação nacional não podem
escapar, sob pena de lançarem mais uma pá de terra sobre o jornalismo
brasileiro.
CartaCapital fez
apenas o óbvio: foi investigar a verdadeira história do terreno, na
cidade de São José dos Campos, cuja desocupação, autorizada pela
Justiça, produziu cenas de violência contra cerca de 1.500 famílias sem
moradia legal.
A conclusão é
simples: a omissão das autoridades, a decisão judicial e a operação
policial compõem um conjunto no qual o Estado se coloca a serviço do
notório especulador Naji Robert Nahas, contra os direitos mais
fundamentais de milhares de brasileiros.
Tese da legalidade
Na
madrugada de 22 de janeiro, um domingo, ou seja, há menos de um mês, a
Polícia Militar irrompeu no terreno ocupado irregularmente e retirou os
moradores de suas casas, tangendo-os para fora do perímetro da
propriedade. Em seguida, máquinas contratadas pelos administradores da
massa falida da indústria de café Selecta, suposta proprietária,
arrasaram as casas, destruindo móveis, utensílios domésticos, documentos
e recordações daquela gente.
Houve
muita controvérsia, movida essencialmente por cidadãos indignados
através das redes sociais. Na chamada grande imprensa, um silêncio
apenas quebrado aqui e ali por manifestações esporádicas de
articulistas. Num desses artigos, publicado numa quarta-feira, 1/2, na Folha de S.Paulo,
o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) procurou defender o governo
paulista batucando na tese da legalidade da ação policial.
Em
outra manifestação, publicada em 6/2, a secretária de Justiça Eloisa de
Souza Arruda também defendeu a desocupação, em entrevista ao Estado de S.Paulo,
dizendo, entre outras coisas, que as autoridades apenas cumpriram a lei
e que os ocupantes do Pinheirinho “sabiam que estavam em propriedade
alheia” e nunca pagaram os impostos. (No caso, o “alheio” se refere ao
suposto proprietário, o especulador Naji Nahas e ou seus credores.)
Declarou também que “por trás da massa falida (de Naji Nahas) tem
funcionários de empresas que esperam há anos seus débitos trabalhistas”.
A
imprensa tendeu a apoiar a tese da legalidade da ação policial, omitiu
de seus leitores os abusos cometidos por PMs e seguranças particulares
depois da desocupação e esqueceu o assunto.
A serviço de Nahas
Dizíamos, no Observatório da Imprensa, na terça-feira (7/2, ver “Os direitos de uns e de outros”),
que “um jornalismo decente iria comparar o caso Pinheirinho com a
presteza da Justiça e a sanha policial na reintegração de posse de
terrenos públicos, por exemplo. Uma pauta minimamente honesta iria
buscar as diferenças de tratamento que a Justiça e a polícia dão, por
exemplo, a casos como o de Pinheirinho e os das ricas propriedades de
veraneio que ocupam terrenos da Marinha ou invadem trechos da Mata
Atlântica em todo o litoral do país”.
Pois
bem: CartaCapital acaba de demonstrar que a pressa da Justiça em mandar
devolver o terreno à massa falida da Selecta tem muitos aspectos
suspeitos. Os repórteres da revista realizaram o trabalho que o resto da
imprensa brasileira não soube ou não quis fazer: foram examinar a
história do terreno que é reclamado por Nahas e descobriram fortes
indícios de que a Justiça foi vítima ou cúmplice de um típico
“cambalacho”.
Além das velhas
suspeitas de grilagem, diz o texto, sobram provas de que o especulador
tentou de muitas formas burlar o pagamento de impostos e nunca usou o
terreno para outra coisa além de apresentá-lo como garantia para a
obtenção de empréstimos bancários.
Nahas
se celebrizou por montar uma pirâmide financeira que levou à bancarrota
a extinta Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em 1989, e voltou ao
noticiário policial em 2008, ao ser preso na chamada Operação
Satiagraha.
A reportagem faz o
histórico do terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, conhecido
anteriormente como Campo dos Alemães, que abrigava a comunidade do
Pinheirinho. Deveria ter se transformado em propriedade do Estado, mas
foi parar nas mãos de Naji Nahas em 1981, ainda em contrato precário.
CartaCapital demonstra claramente que todos os movimentos de Nahas na
Justiça se deram no sentido de impedir a venda do terreno em leilão
público.
A retirada dos moradores
pobres deve valorizar ainda mais o imóvel, que, segundo demonstra a
reportagem, não precisava entrar na conta dos débitos da Selecta para
que fossem pagos os direitos trabalhistas apontados como justificativa
para a reintegração de posse. De mesma forma, não havia outro motivo
para tanta pressa na desocupação do imóvel – a não ser como forma de
atender ao desejo de lucro do especulador.
Demonstrado
pela revista que o único beneficiário da decisão judicial e da ação da
Polícia Militar foi Naji Nahas, aguarda-se algum interesse dos jornais
em terminar de contar essa história escabrosa.
Luciano Martins CostaNo Observatório da Imprensa
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