Domínio de fato cobrado na Ação 470 agora ameaça tucanos
Quando a condenação
dos réus petistas atendia a interesses da oposição, não se ouviu uma única voz
discordante
Os festejos
promovidos pela oposição em função do emprego da teoria do domínio do fato para
condenar os réus do mensalão ameaçam voltar-se contra os tucanos denunciados no
propinoduto tucano.
Advogado do
professor Luizinho na ação penal 470, secretário do Ministério da Justiça no
período de Marcio Thomaz Bastos, Pierpaolo Bottini registrou em artigo no site
Consultor Jurídico que há uma notável semelhança entre o tratamento dispensado
aos réus condenados pelo mensalão e os primeiros suspeitos de receber propinas
no escândalo da Siemens – o emprego da teoria do domínio do fato.
Referindo-se ao
indiciamento do ex-secretário de Energia Andrea Matarazzo pela Polícia Federal,
Bottini, que reconhece méritos nessa jurisprudência desenvolvida pela Justiça
alemã, mas lembra que ela possui determinados requisitos para que possa ser
emprega em nome do bom Direito, fala que ela está sendo empregada de forma
“extensiva demais.”
É uma avaliação que
reproduz críticas feitas durante a ação penal 470.
Para o advogado,
Matarazzo foi indiciado “com base expressa na teoria citada, pelo fato de
ocupar o cargo e pertencer ao partido político governista (revelando a
sapiência da velha máxima de que “pau que bate em Chico bate em Francisco”).
Avaliando o que se
passou na ação penal 470, Bottini registra: “Fica a impressão de que, em alguma
medida, se utilizou da teoria como elemento de imputação de responsabilidade e
não para distinguir entre autores e partícipes.”
Muitos estudiosos
desconfiam da teoria do domínio do fato exatamente porque ela serve para
punições arbitrárias desde que não seja empregada com a cautela devida,
ajudando a encobrir lacunas e fragilidades de uma denúncia. Resumindo a questão
de forma simplificada, a crítica seria a seguinte: se nós sabemos que a
corrupção não deixa recibo, a falta de recibo também não pode servir de
argumento para uma condenação, certo?
Certíssimo.
Quando a condenação
dos réus petistas atendia a interesses políticos da oposição, que pretendia
tirar o máximo proveito do massacre de líderes do governo no julgamento da ação
penal 470, não se ouviu uma única voz discordante.
Não se falou em
abuso, em politização da Justiça ou coisa parecida.
As condenações
foram aplaudidas em tom cívico e qualquer tentativa de contestação era rebatida
como simples manobra diversionista, destinada a manter a impunidade de réus
acusados “no maior escândalo da história.”
As investigações
sobre o propinoduto podem mostrar que domínio do fato em julgamento dos outros
não arde, colocando os tucanos na difícil posição de esperar para si um
benefício que negaram para os adversários.
Dificilmente
deixarão de pagar o preço pelo silêncio na hora em que seu gesto teria a
nobreza de quem defende bons princípios mesmo quando eles contrariam seus
interesses, recomendação oportuna do filósofo político Isaiah Berlin para
políticos de todas as famílias.
O artigo de Bottini
mostra que, com o aval do STF, a moda pegou – e esse tipo de condenação pode
tornar-se um padrão a ser seguido em casos semelhantes.
O tratamento
diferenciado que se deu ao mensalão mineiro, que garantiu aos réus o direito de
serem julgados em tribunais comuns, ajudou a criar uma primeira controvérsia na
ação penal 470.
Uma mudança no
julgamento da ação penal 470 poderia tornar mais aceitável a exibição de uma
postura mais rigorosa na avaliação das provas contra os acusados do
propinoduto, se e quando chegar a hora.
As semelhanças
devem parar por aqui, porém.
Pelo menos em sua
fase inicial, a denúncia contra o PSDB está mais clara do que o mensalão do PT.
O esquema
financeiro do PT foi denunciado por Roberto Jefferson, parlamentar que jamais
apresentou provas muito robustas para sustentar o que dizia. Em depoimentos posteriores
à Justiça, ele chegou a se desmentir e definiu o mensalão como “ criação
mental.”
Você pode até
acreditar que o governo Lula queria “comprar votos” no Congresso e que desviou
R$ 73 milhões do Banco do Brasil. Mas o fato é que não há provas de uma coisa
nem de outra. Principal testemunha de acusação, Jefferson nunca esteve no
coração do esquema, que conhecia pela participação numa de suas franjas, como
partido aliado.
Os documentos do
caso, inclusive auditorias oficiais, contrariam várias condenações, o que tem
levado juristas importantes a questionar o julgamento em seu conjunto.
Ninguém sabe quais
serão os desdobramentos do caso Siemens. É preciso ouvir o conjunto das
testemunhas, buscar coerência entre as provas e, com certeza, dar a todo acusado
o direito de demonstrar sua inocência.
Mas há uma
diferença essencial na acusação, porém. Foi a empresa que está na origem do
esquema de corrupção que resolveu confessar o que fez, por que fez, para que.
Disse para quem pagou, para onde mandou o dinheiro, para quem e quando.
Apresenta documentos, orientou as buscas em empresas que eram parceiras. A
Siemens se autoincrimina – posição que dá inteira credibilidade a sua denúncia.
Pelas leis brasileiras, com esse acordo de leniência ela se livra da acusação
de cartel e seus executivos se livram da acusação de corrupção. A denúncia
sobra para os outros.
Numa analogia, é
como se Marcos Valério tivesse feito um acordo de delação premiada logo no
início da investigação do mensalão – e pudesse reunir o mesmo conjunto de
provas robustas -- recibos, documentos e emails -- que a Siemens exibiu.
Paulo Moreira Leite
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