"Os embargos não representam um novo julgamento, como se diz, num
esforço para impressionar o cidadão menos informado, mas um último
recurso num julgamento que não permite aos réus nenhuma apelação",
informa o jornalista Paulo Moreira Leite, diante do mar de desinformação
promovido por forças que visam eliminar garantias legais, em nome de
interesses políticos
16 DE SETEMBRO DE 2013
247 - Diante do mar de desinformação promovido por parte da imprensa
brasileira, apontando que a admissibilidade dos embargos abrirá um "novo
julgamento", o jornalista Paulo Moreira Leite esclarece. Trata-se
apenas de um recurso ordinário de defesa, num julgamento em que os réus –
muitos deles sem foro privilegiado – não tiveram direito a nenhuma
apelação. Leia abaixo:
Depois de quarta-feira
Os embargos não representam um novo julgamento, como se diz, num esforço para impressionar o cidadão menos informad
Paulo Moreira Leite
Supondo que Celso de Mello confirme seu voto nesta quarta-feira, e não
há nenhum motivo para imaginar o contrário, cabe debater o que acontece
em seguida.
Capazes de sustentar, em tom reverencial, que o Supremo Tribunal Federal
tem a última palavra sobre tudo, inclusive o “direito de errar por
ultimo,” é evidente que os meios de comunicação terão um papel
importante para ajudar a população a compreender o que se passa. Podem
cumprir seu papel ou não.
Se derem um tom apocalíptico à decisão, irão confirmar a visão de quem
diz que têm um compromisso condicionado e tendencioso em relação ao STF.
Apóiam o tribunal quando este toma decisões de acordo com sua própria
opinião e seus interesses. Mas tornam-se críticos radicais quando os
ministros decidem de forma contrária a seus pontos de vista.
Será uma
reação provinciana e lamentável.
Se o tribunal decidir, por 6 votos a 5, que deve aceitar os embargos
infringentes, nada mais fará além de acabar as regras da legislação em
vigor – confirmadas, em 1998, quando a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara debateu sua extinção e resolveu mantê-los.
Não há nem pode haver qualquer dúvida a respeito dessa verdade
fundamental, revelada pelo Globo na sexta-feira. A rigor, ministros que
votaram contra o embargo na presunção de que a lei é omissa ou que a
supressão destes recursos estava implícita podem ser estimulados a nova
reflexão.
Os embargos não representam um novo julgamento, como se diz, num esforço
para impressionar o cidadão menos informado, mas um último recurso num
julgamento que não permite aos réus nenhuma apelação. Eles podem ter
penas diminuídas em alguns crimes. Podem até serem absolvidos nestes
mesmos crimes. Mas só caberão embargos nos casos em que o réu recebeu
quatro votos favoráveis. Num plenário com 11 ou 10 ministros, isso quer
dizer que estiveram a um voto de absolvição. É pouco?
O argumento de que o debate sobre embargos podem prolongar-se
indefinidamente não deve ser levado a sério. Quem define o ritmo dos
trabalhos é o Supremo, que hoje segue a rotina que considera adequada a
sua função. Se a prioridade é tempo, seria possível alterar aumentar uma
jornada que hoje permite três sessões por semana, sempre às tardes. Ou
apenas duas sessões por semana, como ocorre às vezes. Iniciando os
trabalhos às segundas para encerrar às sextas, seria possível ganhar o
dobro de velocidade. Se isso não for suficiente, seria possível iniciar o
expediente pela manhã. Os ministros também poderiam abrir mão de suas
férias de 60 dias e, antecipando o retorno ao descanso, acelerar ainda
mais a produtividade nas decisões. Já que temos ministros capazes de se
dizer preocupados com o contribuinte, seria uma boa forma de responder a
esse problema, não?
Por trás dos prazos o que se questiona é o saldo político da aceitação
dos embargos infringentes.
Num julgamento normal, é normal que a
acusação tenha suas vitórias e a defesa também acumule as suas. Esta é
graça da Justiça, que reside no equilíbrio. Não foi assim na AP 470.
Os embargos, se confirmados, irão representar uma primeira vitória
relevante dos réus desde agosto de 2002, quando o julgamento teve
início. Até aqui, todas as solicitações e pedidos dos réus foram
rejeitados, muitas vezes por larga margem. Até documentos que poderiam
servir a determinados condenados para provar sua inocência foram
mantidos em caráter secreto. Investigações paralelas, com repercussão
sobre o caso, foram mantidas em segredo, também.
As penas, enormes, foram resolvidas numa espécie de clube do Bolinha
jurídico, onde só eram admitidos ministros que estavam convencidos da
culpa dos réus, o que favoreceu sentenças pesadas, que não refletiam o
pensamento do conjunto. Aposentado no meio do julgamento, Cezar Pelluso
definiu suas penas por escrito, em geral mais leves. Foram ignoradas, no
computo final, quando poderiam ter jogado a média para baixo.
Neste ambiente, onde a preocupação em impedir que os réus recebessem o
benefício – legal e constitucional – da prescrição, muitas penas foram
agravadas de modo desproporcional, como denunciou o ministro Ricardo
Levandovski. No caso de José Dirceu, o crime de formação de quadrilha
foi agravado em 75%. No de José Genoíno e Delubio Soares, em 63%.
A ironia é que, agora, o feitiço, pode virar-se contra os feiticeiros.
Se acabar absolvido da altíssima pena por formação de quadrilha, Dirceu
passa do regime fechado para o semiaberto.
Qualquer que venha a ser o saldo jurídico dos embargos depois que os
pleitos de cada réu for examinado, e é bom não perder dinheiro em
apostas a respeito, já se pode ter uma noção de seu valor político se
forem aprovados.
Essa vitória, se confirmada, dará aos condenados um discurso novo. Até
agora, o julgamento avançou da pior forma possível para eles. Se tivemos
um total de quase 60 sessões, seus advogados só puderam ser ouvidos uma
vez, durante duas horas, na abertura dos trabalhos, E nunca mais.
Alegações graves e decisivas, que questionavam vários pontos da
denúncia, sequer foram considerados. Pelos votos dos ministros, pode-se
perceber que memoriais oferecidos durante o julgamento não foram
respondidos com o cuidado que mereciam.
O embargo infringente não significa que o STF concorda com as alegações
dos condenados – apenas, que se recusou a rejeitar um direito
reconhecido em lei. Nas circunstâncias tão difíceis para os réus, é uma
vitória.
Em vez de alegar que foram vítimas de um julgamento injusto, os
condenados poderão sustentar essa opinião com um fato inquestionável: a
maioria do STF não concordou com a tese de quem pretendia impedir que
fossem ouvidos uma segunda vez.
Quem se der ao trabalho de ouvir a defesa, prestar atenção a seus
argumentos e contraprovas, poderá formar uma opinião mais fundamentada
sobre o caso. Silenciados, os réus recuperam o direito de voz.
É por essa razão, na verdade, que as próximas 72 horas nossos
conservadores menos tudo farão para mudar o voto de Cesar de Mello.
Numa postura troglodita, perderam qualquer pudor jurídico para agir
abertamente a favor de suas próprias conveniências políticas.
Traem a fraqueza de seus argumentos ao demonstrar receio de abrir a discussão na forma em que a lei prevê.
É lamentável mas compreensível. Temem que qualquer ruído no discurso do mensalão pode deixar a oposição sem palanque em 2014.
Mas o país está vendo. Em nome de interesses eleitorais, pretende-se
atacar garantias legais. É um comportamento que envergonha todo
brasileiro que aprendeu o valor de direitos democráticos, após tantos
ataques à liberdade sofridos em nossa história.
Postado há 5 hours ago por Blog Justiceira de Esquerda
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