Em um grupo de wattsapp uma pessoa, presumivelmente alfabetizada, já que lê e escreve mensagens e presumivelmente vivendo no século XXI, já que faz uso de tecnologias modernas de comunicação e afinal estamos em fevereiro de 2016, compartilha uma mensagem "Urgente para todos os brasileiros", onde alerta para a "importância" de uma advertência do pastor Silas Malafaia sobre o "chip do demônio".
Um membro do grupo entra no assunto e de forma educada argumenta que o alerta "não procede". O "chip do demônio" é inconstitucional, assegura ele. Segue-se um debate sobre o "tema", com a maioria dando algum tipo de crédito à trama que o tinhoso estaria arquitetando com auxílio da Dilma e da ONU.
Victor Hugo, em Os Miseráveis, dizia que, em “cidades pequenas, existem mais bocas que falam do que cabeças que pensam". Tire o “cidades pequenas” da frase e coloque redes sociais e a analogia está pronta.
Falecido na última sexta-feira (20), o escritor Umberto Eco afirmava que "as redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. (...) É a invasão dos imbecis".
Mas o problema é menos da rede social, em si mesma uma coisa positiva, e muito mais do uso que se faz deste instrumento através do sistema midiático hegemônico, que transforma cérebros em geleias.
É o crime perfeito. O uso do senso comum habilmente direcionado e manipulado para atingir determinado fim político. A “legião de imbecis”, de que falava Umberto Eco, munida de não mais do que três ou quatro “verdades”, saí a bradar aos ventos com a convicção de um fanático e a profundidade de um pires.
É assim que assistimos surgir em massa fenômenos como o pobre convictamente direitista, a mulher histericamente machista, o gay ultraconservador, e por aí vai.
Um conhecido de muitos anos lamenta em seu facebook que determinado jovem (menor de idade, pobre e negro) detido acusado de um crime, não tenha sido morto imediatamente e completa: "e punido depois do devido processo legal".
Ele não explica como o cadáver iria se defender no "devido processo legal" e qual a punição que seria aplicada ao corpo depois de condenado.
Detalhe: a própria polícia descobriu depois que o jovem em questão não tinha cometido o crime que lhe era atribuído.
Dias depois este mesmo cidadão posta a foto de uma pessoa morta em tiroteio com a polícia: “Pra cima deles sem perdão ou pena.Se for menor de idade manda pro IML e depois liga pro Deputado pra ele pagar a conta”.
Detalhe II: O cidadão que posta estas repetidas mensagens saudando execuções sumárias e a barbárie institucionalizada é um advogado negro.
Vários advogados curtem a postagem. Um deles pelo menos é sócio de um escritório de advocacia criminal.
Outro cidadão defende uma lei proibindo o casamento de pessoas do mesmo sexo e quase na mesma frase diz "que o Estado deve interferir o mínimo na vida das pessoas".
Mais ou menos como aquele que defende a “meritocracia” e tem medo da concorrência dos “imigrantes”.
Notórios corruptos bradam enfurecidos contra a “corrupção”. Velhos e conhecidos acochambradores, que passaram a vida promovendo e acobertando suas falcatruas e as de parceiros, se transformam em porta-vozes da moralidade nacional. E são aplaudidos freneticamente.
A coisa é tão bem-feita que quando o índice de insanidade atinge um grau absurdo, a mesma mídia hegemônica que produz o fenômeno ainda corre a fazer pose de surpresa, chegando a admoestar o monstro que criou sem, no entanto, deixar de alimentá-lo e conduzi-lo.
O jornalista Sérgio Porto (pseudônimo Stanislaw Ponte Preta) criou “O Festival de Besteiras que Assola o País – FEBEAPÁ” como forma de criticar a ditadura militar.
Hoje, quando a ditadura foi derrotada e graças a isso as pessoas podem se manifestar e algumas se manifestam pela volta da ditadura, se vivo fosse Sérgio Porto talvez trocasse o “Besteiras” por “Insanidades”.
Pois este clima de frenesi de manipulação, intolerância e ódio, sempre com os mesmos alvos e claros objetivos, não é novo na história mas também não desperta em parcelas significativas do povo qualquer suspeita sobre seus verdadeiros motivos.
Enquanto isso, acobertados pela mídia e contando com a adesão de uma "legião de imbecis", de juízes comendadores da Globo e de procuradores fanáticos religiosos, os descendentes políticos dos golpistas de 1964 tramam algo nefasto.
Algo que pode afetar dramaticamente a vida da grande maioria da população e cujo segundo passo será a morte da democracia.
Digo segundo passo, pois o primeiro passo em grande medida parece que já deram: estão conseguindo matar o pensamento.
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